domingo, 19 de março de 2017


INDICAÇÃO DE LEITURA 01:


Disponível em: http://www.cbfc.org.br/stc_filosofiacrianca.asp; Acesso em 15/04/2009

1 O QUE É FILOSOFIA
À primeira vista, entendemos a filosofia como algo enigmático, profundamente abstrato e distante da realidade. Essa visão da filosofia decorre dos complexos trabalhos de pensadores que, ao longo da história, refletiram e buscaram diferentes respostas sobre questões que continuamente fazemos ao longo de nossa existência. Indagações sobre o conhecimento, sobre os valores, sobre a natureza, sobre a beleza, sobre o homem.
Essas inquietações decorrem da necessidade que todo ser humano tem de compreender o significado do mundo e de si mesmo. Na busca dessa compreensão criamos novos significados, questionando e tecendo uma teia de relações cada vez mais abrangentes que nos indiquem respostas, mesmo que provisórias. Desta forma, o primeiro passo para a filosofia é a inquietação que conduz ao questionamento. O objeto da filosofia é a reflexão, o movimento do pensamento que nos permite recuar, nos distanciarmos dos fatos aparentemente banais para buscarmos seus fundamentos.
Se é verdade que continuamente refletimos, nem sempre refletimos com radicalidade, ultrapassando as fronteiras da superficialidade para buscarmos as raízes de nossa forma de pensar e agir no mundo. A reflexão radical requer um caminho que nos garanta esse aprofundamento, ela deve ser organizada, ciente dos princípios e dos objetivos que almeja. Radicalidade, sistematização e abrangência são as marcas da Filosofia que nasce da experiência humana, da tentativa do ser humano de compreender a si mesmo e tudo que o cerca, valendo-se da autonomia da razão para criar e recriar conscientemente o mundo em que vivemos.
A complexidade da filosofia está na enigmática e surpreendente aventura de idéias que nos identifica e nos diferencia de outros seres. Portanto, a filosofia está presente na ciência, na arte, no mito, na religião, no cotidiano. Embora possamos afirmar que a filosofia esteja presente nas diversas manifestações do humano, ela não se confunde com nenhuma dessas formas de conhecimentos específicos, mas as fundamenta. Essa busca de fundamentos faz da história da filosofia uma história sem fim, porque diz respeito a todos em todas as épocas. Por isso, nunca é cedo ou tarde demais para iniciarmos essa aventura do filosofar.
2 O QUE É FILOSOFIA PARA CRIANÇAS
O contexto do mundo atual impõe um grande desafio aos educadores: a formação de pessoas com as habilidades necessárias para transformar informação em conhecimento e conhecimento em ações consequentes. A velocidade com que são produzidas e repassadas as informações exigem uma forma mais elaborada de apreensão, possibilitando, assim, relacioná-las e delas extrair tudo aquilo que está implícito. Além disso, os indivíduos desta sociedade em rápida transformação terão êxito e serão atuantes na medida em que conseguirem interagir autonomamente com o meio em que vivem.
Neste sentido, uma vez mais, a Educação tem papel de destaque na formação deste novo indivíduo. A simples transmissão de informações produzidas ao longo da história já não basta. Cabe à Educação, agora, dar os instrumentos necessários para que, a partir do que já foi construído, as pessoas possam elaborar novos conhecimentos, desenvolver seu potencial criativo, enfrentar novos desafios, relacionar as informações e tirar suas próprias conclusões.
Diante desse panorama, o Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças salienta a necessidade de se aprender a pensar melhor e a pensar por si mesmo. Quando a Filosofia é ensinada através do diálogo investigativo, como é proposto no Programa de Filosofia para Crianças e, especialmente, quando os estudantes ainda são crianças, a tendência é que eles saiam de seus cursos mais críticos, mais criativos e mais sensíveis ao contexto em que vivem.
A experiência tem nos mostrado que crianças e adolescentes que estão expostos a esse Programa desenvolvem: maior autonomia de pensamento, uma percepção ética mais aguçada, autocorreção, respeito por pensamentos diferentes do seu, respeito à opinião de outras pessoas, capacidade de dar boas razões para seus argumentos, entre outras habilidades.
2.1 Principais objetivos
O Programa Filosofia para Crianças - Educação para o Pensar é um programa educacional que visa três objetivos intercomplementares:
  • iniciação filosófica de crianças e jovens;
  • educação para o pensar;
  • preparação para uma cidadania responsável.
2.1.1 Iniciação Filosófica:
Crianças, jovens e adultos colocam, para si próprios, questões que demandam não só um esforço explicativo a respeito de aspectos relevantes da realidade, mas, também, um esforço de constituição de sentidos desta realidade e de si mesmos nela. Os sentidos, constituídos historicamente pelos seres humanos, alimentam suas vidas e os vão constituindo como pessoas. Essas referências significativas são uma necessidade: as pessoas podem participar do esforço da sua constituição ou podem receber prontos os sentidos produzidos por alguns poucos que acabam se tornando os donos das referências!...
Filosofia para Crianças pretende iniciar crianças e jovens na luta pela constituição autônoma e co-participada dos sentidos. O objetivo é auxiliá-los a se tornarem cidadãos que sejam capazes de oferecer contribuição pessoal enriquecedora na construção continuada das necessárias referências orientadoras das vidas humanas.
Pensar, reflexiva e criticamente sobre as questões que dizem respeito à constituição dos sentidos, é estar iniciando-se no próprio processo do filosofar, antes mesmo de ter acesso à produção daqueles que são reconhecidos, pela qualidade de suas reflexões, como os grandes filósofos.
2.1.2 Educação para o Pensar:
O pensar é recurso humano imprescindível, tanto para a produção de explicações, quanto para a constituição dos sentidos. Exercitá-lo, no enfrentamento das questões envolvidas na busca da construção de significados, pode resultar no seu próprio aprimoramento. E tal aprimoramento ocorrerá se o exercício do pensar merecer atenção e cuidados especiais por parte dos educadores e dos próprios educandos.
O Programa Filosofia para Crianças - Educação para o Pensar oferece indicações para tanto, fundamentação teórica consistente, metodologia adequada e materiais de apoio para uso dos educandos e dos educadores.
O aspecto central da metodologia do Programa é a realização do diálogo investigativo que transforma os grupos de educandos em pequenas comunidades de investigação. Nelas, os participantes expõem suas idéias, escutam-se uns aos outros, questionam-se mutuamente, comparam seus pontos de vista, complementando-os e eventualmente, corrigindo-os. Trata-se de um verdadeiro processo de cooperação intelectual, afetiva e criativa.
As interações sócio-linguísticas que aí ocorrem, devidamente observadas, cuidadas e orientadas por educadores preparados, são promotoras do desenvolvimento das condições cognitivas: um verdadeiro processo de Educação para o Pensar.
2.1.3 Preparação para uma cidadania responsável:
A participação produtiva numa pequena comunidade de investigação exige comportamentos e atitudes de cooperação, respeito mútuo, interesse por objetivos comuns, avaliação crítica, que são, dentre outros, elementos importantes para o exercício democrático na sociedade. A ocupação dos espaços da cidadania requer das pessoas tais comportamentos e atitudes que podem decorrer ou ser reforçados quando se aprende desde cedo:
  • a respeitar os pontos de vista dos outros;
  • que o próprio ponto de vista tem o mesmo valor e peso do dos outros;
  • a respeitar a vez dos outros e a exigir respeito pela própria vez;
  • a respeitar regras combinadas;
  • que as regras podem ser discutidas e modificadas, mas que são necessárias para a vida em comum;
  • que todos somos iguais;
  • que todos somos igualmente dignos de respeito.
Tais aprendizados são elementos éticos necessários às relações sociais e o domínio dos mesmos, só é possível, no seu exercício prático acompanhado da atenção intelectual que o examina cuidadosamente. Tudo o que é feito é pensado e repensado crítica e criativamente possibilitando pesar (ponderar) justificativas, motivos e possíveis conseqüências. Quando se pondera, res-ponde-se: torna-se responsável. Realizar este exercício, nas pequenas comunidades de investigação com crianças e jovens, pode ensejar a sua continuação na vida adulta.
 3 UM POUCO DA HISTÓRIA DO PROGRAMA FILOSOFIA PARA CRIANÇAS
No final da década de 60, o Professor norte-americano Dr. Matthew Lipman, preocupado com o desempenho insuficiente de seus alunos, concebeu o Programa Filosofia para Crianças, visando cultivar o desenvolvimento das habilidades cognitivas mediante discussões de temas filosóficos e visando, com tais discussões, a iniciação filosófica de crianças e jovens. Há 34 anos, lançava, assim, as bases do Programa de Filosofia para Crianças, inaugurando um novo paradigma educacional que tem por meta o desenvolvimento do pensamento crítico, criativo e cuidadoso.
Em 1974, auxiliado pela Dra. Ann Margareth Sharp, fundou o Institute for the Advancement of Philosophy for Children (IAPC), instituição vinculada à Universidade Estadual de MontClair, New Jersey – EUA, com o objetivo de estruturar melhor o currículo de Filosofia para Crianças, preparar educadores para o trabalho em sala de aula, realizar pesquisas acadêmicas sobre o Programa e oferecer suporte e preparação para os Centros de Filosofia em outros países.
Já na década de 70, o Programa Filosofia para Crianças demonstrou ser uma abordagem promissora para o aprimoramento das habilidades cognitivas e, a partir de 1976, espalhou-se pelo mundo, sendo traduzido e trabalhado em vários países.
Atualmente, mais de 50 países trabalham com esta proposta. Entre eles: Argentina, Armênia, Austrália, Áustria, Bélgica, Brasil, Bulgária, Chile, Costa Rica, Finlândia, Hungria, Islândia, Israel, Itália, Quênia, Lituânia, Malta, México, Holanda, Canadá, Nova Zelândia, Nigéria, Filipinas, Polônia, Portugal, China, Romênia, Rússia, Singapura, África do Sul, Coréia do Sul, Espanha, Suécia, Turquia, Inglaterra, Uruguai.
Lipman acredita ser a filosofia a disciplina, por excelência, capaz de favorecer o desenvolvimento da capacidade das crianças de fazer juízos logicamente corretos, estimular atitudes éticas e o pensamento reflexivo. Assim como os filósofos, as crianças se perguntam sobre os fundamentos dos valores e dos conhecimentos humanos. Propiciar o processo de investigação filosófica de forma sistemática com crianças é fornecer as ferramentas e um método eficiente para aperfeiçoar o pensamento, pois é na filosofia que se edificam as questões sobre o significado da realidade e sobre o próprio processo do pensar.
Em 1998, a UNESCO ofereceu ajuda para disseminação de Filosofia para Crianças através de sua rede mundial. No Brasil, o Programa Filosofia para Crianças foi trazido pelas mãos da Professora Catherine Young Silva, que fundou o Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças (CBFC), em janeiro de 1985.
3.1 Metodologia
Neste paradigma educacional não cabe à escola ensinar o produto das investigações, mas ensinar o procedimento investigativo. A meta é desenvolver as habilidades cognitivas dentro de um contexto significativo e não de forma fragmentada e automatizada.
O diálogo cumpre um papel fundamental neste contexto. É o diálogo que, por um lado, motiva o exercício de um pensar criterioso, criativo, autocorretivo, sensível ao contexto e, por outro, ensina o exercício de cidadania enquanto respeito ao outro, às opiniões divergentes, à diversidade cultural.
Ao colocar os temas filosóficos presentes em textos narrativos (novelas filosóficas), Matthew Lipman não quer apenas aproximar as discussões filosóficas do cotidiano de crianças e jovens, mas pretende aproximar o processo educacional do filosofar, o que implica em buscar meios para transformar as salas de aula em pequenas comunidades de investigação. O conceito de comunidade de investigação de Matthew Lipman envolve a necessidade de um espaço educacional onde os envolvidos se sintam membros de uma comunidade, onde possam apossar-se de idéias conjuntamente, construir sobre as idéias dos outros, pensar com autonomia explorando suas pressuposições e possam trazer para suas vidas a percepção do que é descobrir, inventar, analisar e criticar coletivamente.
3.2 Novelas filosóficas
Preocupado em tornar o conteúdo filosófico compreensível e significativo para crianças, Lipman escreveu uma série de "novelas filosóficas", histórias cujos personagens estão procurando entender e resolver os problemas que cercam o cotidiano. Tais personagens não são os grandes pensadores colocados num passado remoto, mas crianças e jovens intrigados com as questões essenciais presentes em toda a história do pensamento. O que é verdade? O que é beleza? Como conhecemos? O que é justo?
As questões clássicas da filosofia ganham sentido na narrativa, tornando o filosofar um exercício lúdico e fascinante de descoberta do mundo, dos conceitos e do próprio processo do pensar. As novelas filosóficas percorrem diferentes temas relacionados às áreas da investigação filosófica de forma adequada às crianças.
 4 CIDADANIA E FILOSOFIA PARA CRIANÇAS
São inúmeros os sentidos atribuídos à palavra cidadania. O envolvimento e comprometimento com ações coletivas fundadas na construção da identidade e na ampliação dos direitos básicos é um desafio a ser alcançado. O acesso às manifestações da arte e da cultura, o acesso às inovações tecnológicas, programas de profissionalização de crianças e adolescentes, programas de saneamento e saúde preventiva têm alcançado resultados bastante significativos.
No entanto, é preciso considerar que as ações se fundamentam num exercício de reflexão capaz de estabelecer relações entre o indivíduo e o mundo alicerçadas em raízes profundas dispersas na multiplicidade de informações. O contato com essas raízes se faz pela filosofia e pelo pensar consciente das relações que estabelece. É a trama do tecido que se esconde atrás de estampas que permitirá a construção de novas teias do pensar e do agir.
A construção de uma cidadania responsável através da iniciação filosófica de crianças e jovens e da proposta de uma educação para o pensar é um tema que contém os princípios norteadores do Programa de Filosofia para Crianças - Educação para o Pensar.
O Programa de Filosofia para Crianças propõe o envolvimento de alunos, de forma reflexiva, com temas comprovadamente formativos do substrato humanístico necessários a todas as pessoas, particularmente enquanto cidadãs. Tais temas dizem respeito aos valores (especialmente os morais), à convivência social racional, à importância do bem pensar e do pensar autônomo.
O Projeto de Filosofia para Crianças é uma das ações que torna viável a concretização de uma proposta educacional voltada para a cidadania responsável. Numa postura filosófica, o conceito de cidadania não se limita à reivindicação de direitos e cumprimento de deveres, mas entende-se o cidadão como aquele que tem pensamento crítico, criterioso, ético e estético. Neste sentido, a implantação do Programa de Filosofia para Crianças contempla o conceito de cidadania em uma perspectiva mais ampla, uma vez que:
  • Permite a aproximação de crianças e jovens do pensamento reflexivo, global e sistemático, próprios do filosofar, o que possibilita seu reconhecimento no mundo de valores e conhecimentos da humanidade, a análise crítica dos mesmos e a busca de formas alternativas para propor problemas e soluções. Em suma, a reflexão transforma-se em ação concreta na construção efetiva da cidadania.
  • A metodologia específica do Programa de Filosofia para Crianças, fundamentada na investigação dialógica, e o uso de um material estruturado permitem o uso de estratégias de intervenção educativa intencionais visando o desenvolvimento das habilidades cognitivas, que são instrumentos necessários do bem pensar. Tais habilidades, quando desenvolvidas, não apenas se transferem ao desempenho escolar nas diversas áreas curriculares, mas contribuem na formação de cidadãos capazes de equacionar problemas e encontrar soluções criativas e éticas, nos diferentes contextos em que vivem.
  • O Programa de Filosofia para Crianças tem se configurado como um dos alicerces para uma proposta educacional que atenda aos anseios de uma sociedade multiculturalista e com transformações econômicas e sociais dinâmicas. Um dos grandes desafios pedagógicos atuais é a conquista da autonomia intelectual, tanto pessoal quanto coletiva, de educadores e educandos. A melhoria da qualidade de ensino indica a necessidade de formação global, não só de educandos, mas também dos educadores. Neste sentido, o exercício do filosofar dá a oportunidade de Educadores e Educandos, juntos, numa Comunidade de Investigação, pensarem autonomamente em suas vidas e práticas, ampliando o universo cultural através do diálogo investigativo. O respeito à diversidade cultural e intelectual no esforço de construção conjunta do conhecimento impõe uma nova concepção do educar e provoca mudanças no próprio ambiente social
Desta forma, a implantação do Programa de Filosofia para Crianças, contempla aqui três dimensões da cidadania:
  • A cidadania enquanto busca sistematizada dos significados e referências da comunidade, através do processo do filosofar.
  • A cidadania enquanto esforço educativo que desenvolva um pensar crítico, criativo e sensível ao contexto, através do desenvolvimento das condições cognitivas.
  • A cidadania enquanto construção de um paradigma de conhecimento alicerçado no diálogo e na investigação, através da formação de uma Comunidade de Investigação que envolva educadores e educandos.

 

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