domingo, 19 de março de 2017

ARTIGO PUBLICADO NO II CBPFIL/UFPE/RECIFE/2012:


Filosofia para crianças: um caminho a seguir

 

 

Carmem Maia dos Santos Câmara(UFRN)[1]

Lyzandra Cristina de Araújo Souza(UFRN)[2]

José Francisco das Chagas(UERN)[3]

Maria Reilta Dantas Cirino (UERN)[4]

Resumo

 

A tradição filosófica aponta que o ato de filosofar se inicia quando algo desperta nossa admiração. No entanto, frente a tantas explicações dadas a vários questionamentos surgidos em épocas passadas o homem perdeu, em parte, a sua capacidade de refletir. Desta forma, é de fundamental importância que esse comportamento questionador seja estimulado desde cedo nas crianças. O filósofo Matthew Lipman vem buscando esclarecer sobre a constituição do pensar na infância e compreende que o crescimento intelectual infantil pode ser reforçado e melhor elaborado nas mais variadas situações surgidas em sala de aula, para isso, contudo, entende que é de fundamental importância a mediação adequado do docente. Nesse sentido, este artigo tem como objetivo identificar, como ocorre a formação dos professores que nortearão as discussões filosóficas na infância na proposta de Lipman.

 

Palavras-chave: Matthew Lipman, Filosofia, Formação de professores.

Abstract

Philosophy for children: a way forward

 

The philosophical tradition suggests that the act of philosophizing begins when something arouses our admiration. However, compared to many explanations to many questions that have arisen in past ages man has lost, in part, to its ability to reflect. Thus, it is of paramount importance that this behavior is stimulated questioning early in children. The philosopher Matthew Lipman has sought clarification on the constitution of thinking in childhood and understands that children's intellectual growth can be strengthened and further developed in various situations encountered in the classroom for that, however, believes that it is of fundamental importance to mediation proper teaching. Accordingly, this article aims to identify, as it happens teacher training that will guide the philosophical discussions in childhood in the proposed Lipman.

KEYWORDS: Matthew Lipman, Philosophy, Teacher. 

 

Introdução

 

 A tradição filosófica nos aponta que o ato de filosofar se inicia quando algo desperta nossa admiração. No entanto, frente a tantas explicações dadas a vários questionamentos surgidos em épocas passadas, o homem perdeu, em parte, a sua capacidade de refletir, se habituou a aceitar explicações sem delas duvidar e sem fazer questionamentos. Segundo Iglésias (2005, p. 15), “As pessoas crescem aceitando, sem discutir, os papéis sociais que lhe são atribuídos, sem questionar seu valor e seu porque”, no entanto, sabemos que é de fundamental importância perguntas filosóficas, exercícios mentais, reflexões, bem como investigações que devem ser estimuladas nas crianças, para que seu crescimento intelectual seja reforçado e elaborado e reelaborado de forma a atingir níveis cada vem mais elevados no decorrer de suas vidas.

Considerando esses aspectos, o filósofo norte americano, Matthew Lipman, vem desde a década de 60 buscando esclarecer sobre a constituição do pensar na infância e elabora um Programa de Filosofia para Crianças – FpC. Este artigo, desenvolvido dentro das atividades do Projeto de Pesquisa/PIBIC “Filosofia na infância: perspectivas para o debate”, ofertado pelo Curso de Filosofia da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, Campus Caicó, no período de 2011 a 2012, tem como objetivo apresentar pontos a respeito da importância em se trabalhar a filosofia na infância como também a formação do profissional que deve fazer este trabalho em sala de aula. Dentre os diversos aspectos abordados nos estudos no referido projeto de pesquisa, enfocaremos no presente trabalho, aspectos sobre o currículo de filosofia para crianças e a formação do docente para trabalhar com a referida proposta, utilizando como referencial teórico, principalmente, as obras de Matthew Lipman, tais como “Filosofia na Sala de Aula” (2001), e “A filosofia vai à escola”, (1990).

Para o trabalho de filosofia na infância é imprescindível uma preparação na sala de aula, um currículo pensado para essa finalidade, bem como para que a proposta  atinja seus objetivos é de fundamental importância que o professor tenha uma boa formação, que seja um profissional habilidoso para conduzir seus alunos em discussões filosóficas. Insere-se, nesse contexto, a elaboração dos combinados entre professores e alunos, alunos e alunos, os quais conduzirão uma boa discussão, sendo tal aspecto metodologia primordial no desenvolvimento dessa proposta. Porém, antes que haja os exercícios mentais, indagações, reflexões, tomadas de decisões, as formações de conceitos e reelaborações de tais, sabe-se que as crianças, quando não exercitadas no desenvolvimento do pensar, da argumentação e contra argumentação, vão aos poucos se habituando e aceitando com naturalidade as explicações dadas pela sua cultura, sem manter o hábito de pensar, de investigar.

 
Por que Filosofia na infância?

 O filósofo é alguém que consegue manter viva a capacidade de se espantar. As crianças são filósofas por natureza, pois, já nascem com um instinto investigativo, reflexivo, diante de fatos que para os adultos podem ser tidos como banais, por já possuírem as respostas prontas. Daí a explicação para as indagações da criança sobre o mundo, as quais muitas vezes trazem impaciências nos adultos, ao invés de se admirarem com a capacidade de reflexão da criança.

O que elas procuram não são respostas prontas e ensaiadas, mas sim, um caminho que leve a várias possibilidades de respostas aos vários questionamentos, a caminhos que satisfaçam ou favoreçam o “caminhar do pensamento”. Contudo, os adultos, quando não as mandam fazerem silêncio, dão excessos de respostas. Segundo Lipman (2001, p. 58) “Um excesso de respostas pode matar a curiosidade da criança. Queremos ajudá-la a descobrir o que precisa saber sobre o problema com o qual está lidando sem prejudicar sua curiosidade dizendo mais do que deveria saber.” Da mesma forma, é preciso considerar que a falta de atenção, causa recusa em fazer novos questionamentos, por perceberem que suas ideias não têm “valor”, passam simplesmente a reproduzirem o que estão vivenciando.

A Filosofia, por sua natureza, tem uma ligação com o saber, e não é qualquer saber, é um saber que se mostra relevante na vida do homem. Da mesma forma as crianças usam dessa relevância em seus questionamentos, não aceitando qualquer resposta para suas indagações. As pessoas ao se depararem com as indagações extraordinárias das crianças, não se dão conta que estas estão fazendo uso da reflexão filosófica.

Embora as crianças sejam por natureza investigativas, à medida que vão crescendo, elas passam a deixar de lado este espírito de pesquisa, para observar e “copiar” os adultos. Dessa forma, com esses atos, muitas vezes a capacidade de reflexão e de espanto não acontece, pois, segundo Iglésias (2005, p. 15),

 

 

... se por um lado, é normal ao ser humano espantar-se, interrogar, é por outro lado normal que não se espante nem se interrogue muito. Sendo a maioria das pessoas pouco exigente, às explicações dadas [...], e, assim sendo a filosofia não acontece.

 

 

 Em relação à etapa de desenvolvimento denominada infância, se o exercício do filosofar for oportunizado às crianças e sendo dado o devido valor às discussões, interrogações e opiniões das mesmas, a capacidade de reflexão nunca irá ser deixada de lado. Elas terão a possibilidade de serem crianças e futuros adultos reflexivos.

Matthew Lipman percebeu que as crianças poderiam e deveriam participar de questionamentos filosóficos em suas aulas, pois notou certa dificuldade na prática do raciocínio, formação de opiniões, elaboração de pensamentos críticos, exposição de ideias, julgamentos de opiniões em seus alunos já adultos na faculdade. Foi por perceber estas dificuldades que o filósofo, educador e professor de Lógica na Universidade de Columbia, desenvolveu um programa voltado para trabalhar filosofia para crianças. Esse programa consiste em transformar salas de aula em comunidades de investigação, onde seriam desenvolvidas as inteligências emocional, cognitiva e social das crianças (Lipman, 1998). Pensando nisso, Lipman elaborou textos filosóficos (ou novelas filosóficas) voltados para a infância. Esses textos servem de instrumentos para trabalhar os exercícios mentais que, na visão de Lipman, devem ser desenvolvidos desde a mais tenra idade, a fim de que o pensamento e a reflexão crítica possam ser melhor elaborados pelas crianças em detrimento das respostas prontas ou da mera  memorização sem compreensão.

As novelas filosóficas levam os alunos a raciocinarem primando essencialmente pelo diálogo, de modo que uma criança que lê a novela e não tem a oportunidade de se expressar, de refazer seus pensamentos, de ouvir outras opiniões e reformular novamente o seu raciocínio, está privada da parte essencial da filosofia para crianças, que é o diálogo.

A primeira novela está voltada para a 1ª e 2ª séries, denominadas de “Elfie” e “Issao e Guga”. Essa é acompanhada dos manuais para os professores e volta-se para a aquisição da linguagem, através de diálogos e raciocínio sobre os sentimentos; já para a 3ª e 4ª séries trata-se da novela filosófica “Pimpa”, contendo também um manual e exercícios. Nela é dada ênfase a assuntos ambíguos e noções filosóficas abstratas; a novela “A descoberta de Ari dos Telles” voltada para 5ª e 6ª séries, possui o manual do professor “investigação filosófica” que traz a identificação das ideias de cada capítulo com respectivos exercícios para estes. A novela dá ênfase à aquisição da lógica formal e informal, trata-se de uma proposta de educação não autoritária e antidoutrinadora, mostrando também como as crianças são capazes de aprender umas com as outras, esboçando e desenvolvendo métodos alternativos de pensar. Para as 7ª e 8ª séries, a novela “Luisa” aborda a investigação ética, da linguagem e dos estudos sociais. (LIPMAN, 1990).

A filosofia na infância não é usada com linguagem rebuscada ou estudando autores e filósofos renomados, ao contrário, estes nem são citados, pois é mais importante a elaboração do pensamento do que decorar falas e/ou teorias de filósofos que viveram em realidades distantes das crianças. A função da filosofia para crianças é outra como diz Lipman (2001, p. 81) “O objetivo primordial de um programa de Filosofia para Crianças é ajudá-las a aprenderem a pensar por si mesmas”. Assim, de que maneira as crianças são exercitadas em seus pensamentos? As crianças são levadas a desenvolverem a capacidade de raciocinar e fazer inferências, a estimular a criatividade, a encontrar sentido em experiências discutidas, a descobrir alternativas a questionamentos diversos, bem como encontrar a coerência em seus pensamentos, pontos estes essenciais ao crescimento pessoal e intelectual de qualquer pessoa.

A filosofia para crianças não busca introduzir valores, ou pensamentos que já são estabelecidos e há muito estudados. Não é uma disciplina que deve ser decorada e usada para o resto da vida. Ela leva os alunos a pensarem sobre si mesmos e sobre os fatos e objetos do mundo no qual estão inseridos, o que acaba por auxiliar as outras disciplinas no currículo escolar. Fazer uso da lógica para resolver problemas, pode favorecer naturalmente maneiras novas de pensar, reconhecendo e/ou excluindo erros normalmente utilizados em pensamentos já moldados. Daí a importância em se usar filosofia na infância: a certeza de que um caminho de descobertas e redescobertas será trilhado na vida das crianças que a ela tem acesso. Conquanto, para que o Sistema Educacional possa trilhar esse caminho, um dos aspectos fundamentais é a formação do docente para atuar na mediação do dialogo filosófico. 

 A Formação do Professor na Proposta de Filosofia na infância

 O Programa Filosofia para crianças chegou ao Brasil em 1984 trazido por Catherine Young Silva, que contou com a colaboração de um grupo de professores, os quais inspirados pelas ideias de Lipman propagaram a prática de diálogo com crianças. Após o término de seu mestrado, dirigido por Lipman, Catherine retornou ao Brasil com o direito concedido pelo mesmo para traduzir e adaptar os materiais. No ano seguinte, o grupo criou o Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças (CBFC), entidade essa, presente no Brasil até os dias atuais, que entre outras coisas dedica-se à formação de professores para o desenvolvimento do programa nas escolas. (LIPMAN, 1990).

A proposta de Lipman defende que para se trabalhar com crianças é necessária uma formação específica que habilite os professores a “... lidar com o rigor da lógica, com os sensíveis temas da ética e com a complexidade das questões metafísicas...” (LIPMAN, 2001, p. 74). No entanto, os cursos de formação de professores de filosofia não oferecem de forma sistemática uma abordagem que possa fundamentar a prática de filosofia com crianças. É mais fácil encontrar filósofos e esses receberem uma formação complementar para trabalharem com crianças, que encontrar profissionais de outras áreas e esses serem iniciados na filosofia. Lipman (2001, p.74) defende que “... os professores sejam formados através das mesmas abordagens didáticas que se supõe utilizem com seus alunos...”. Essa abordagem é importante para o professor se colocar no lugar do aluno e perceber os caminhos que o pensamento ou reflexão podem tomar.  Assim, o autor continua afirmando que:

  

Se se espera que os professores coordenem um diálogo, devemos lhes dar a oportunidade de participar de diálogos filosóficos e modelar a coordenação de uma discussão de maneira filosófica. Se se espera que os professores consigam fazer com que seus alunos tenham um comportamento questionador, devem ser formados por professores que modelem esse tipo de comportamento nas aulas. Se se espera que os professores ensinem as crianças a raciocinarem, devemos proporcionar-lhes prática no raciocínio que eles mesmos esperam de seus alunos. E é desnecessário dizer que os professores no processo de formação devem ser estimulados a respeitar os procedimentos da investigação se devem incutir em seus alunos o cuidado com esses procedimentos. (LIPMAN, 2001, p. 75).

 
Com esse intuito, a proposta lipmiana apresenta uma formação que perpassa por quatro estágios, tendo em princípio a formação dos monitores, os quais formarão os futuros professores. A formação dos professores é dividida em três etapas, quais sejam: o estágio de exploração do currículo, o estágio modelador e o estágio de observação. Vale enfatizar que estes três últimos estágios consistem no preparo dos professores. Quanto ao preparo dos monitores,  Lipman (1990, pp. 176 -177) assevera que:

  

A prática atual de formação de monitores para prepararem professores de filosofia de 1º e 2º graus acontece em quatro estágios. O preparo de monitores. São candidatos os que têm um sólido conhecimento filosófico: professores de filosofia de faculdade, portadores de títulos em filosofia [...]. Futuros monitores freqüentam uma oficina de dez dias, na qual conhecem o currículo, têm a possibilidade de conduzir sessões individuais e discutir assuntos relevantes detalhadamente. [...] Logo após, o futuro monitor passa a ser um ‘filósofo em residência’ numa sala de aula, por quatro a seis semanas, para adquirir experiência no trabalho com crianças – um pré-requisito para estabelecer credibilidade junto aos professores. Sempre que possível, o aprendiz trabalha junto com um monitor mais experiente antes de se lançar numa carreira independente.

  

O segundo estágio acontece com o preparo dos professores, que consiste em uma oficina com grupos de quinze ou vinte docentes e um monitor. É um seminário de investigação de currículo que dura de três a quatorze dias. Os mais curtos lidam com apenas um programa (de 5ª e 6ª séries, por exemplo) outros mais longos que tratam de dois programas. De acordo com Lipman (1990, p. 177) “... em geral, espera-se que os professores experienciem este estágio quase que do mesmo modo que seus futuros alunos o farão”. Tal ação é de grande valia por proporcionar aos professores um momento de estar no lugar dos alunos. Os cursos começam com a leitura em voz alta, do mesmo modo que seria na sala de aula. Esta leitura propicia a experiência em ouvir a linguagem do texto e escutar aos outros participantes tanto do curso quanto das aulas, a fim de trocarem experiências e significados compartilhados.

Após a leitura, a qual Lipman não aconselha ser feita silenciosamente para não haver isolamento de alunos, o monitor solicita à classe que sejam feitas os tópicos para a discussão a seguir. É importante observar que para cada idade deve-se ter uma linguagem específica e um meio diferente de abordagem. Para alunos muito jovens não é comum que esta abordagem seja feita, pois as opiniões das crianças ainda não estão sendo solicitadas pelos adultos, o que pode causar um desconcertamento entre os pequenos. Já com alunos mais velhos, pode-se perguntar sobre seus questionamentos, perplexidades, posicionamentos em cada situação apresentada. Este é um modo de chamar atenção para o que é problemático no texto em vez de para aquilo que está claro. Essa mediação assegura que perguntas e comentários surjam de um envolvimento do aluno com as questões. Após as indagações é escrita as respostas no quadro, seguidos da discussão, seja por votação de assunto ou agrupamento. (LIPMAN, 2001).

É interessante destacar a tarefa do coordenador, que é de manter viva a discussão, o interesse causado pela leitura, na sala de aula e incentivar o diálogo aluno-aluno. Na preparação de uma sessão, o coordenador revisa o manual do professor selecionando um grupo de exercícios que se encaixe com a turma, a fim de se melhor enfocar filosoficamente a prática entre discussões livres e aplicações de exercícios específicos.

O terceiro estágio de preparação dos professores é o estágio modelador, que acontece após seis semanas do início do professor ter executado o programa em sala de aula. Aqui os monitores adentrarão em sala de aula e tomarão o espaço para demonstrarem aos professores a forma de tratar a matéria do dia.

 


... os monitores devem entrar efetivamente nas salas de aula, assumir a lição do dia, e demonstrar ao professor, com seus próprios alunos, como o monitor trata a matéria. [...] Estas sessões modeladoras [...] produzem esse mínimo de habilidades, de atenção pessoal que separa este modo de educação de professores dos cursos tradicionais que meramente exigem que o professor fale (e não que mostre) como os alunos devem ser ensinados. (LIPMAN, 1990, p. 180).

  

O quarto estágio de preparação de professores chamado de estágio de observação, acontece seis semanas mais tarde, onde os monitores voltam à sala de aula para observar e avaliar (oral, escrita ou em ambas) o professor no que diz respeito ao progresso e execução do programa, como podemos perceber na afirmação abaixo:

 

...o monitor pode perguntar ao professor questões importantes como ‘o que você me viu fazer que você não fez?’ ou pode revisar questões como a falha em perseguir um questionamento ou a deficiência do professor de envolver todos os membros da classe. Os treinadores usam listas de critérios para aferir o desempenho do professor, e os professores são encorajados a conhecer estes critérios para que possam também fazer uma auto-avaliação mais crítica. (LIPMAN, 1990, p. 180).

 

É importante destacar que os monitores são mais familiarizados com a filosofia enquanto os professores segundo (LIPMAN 1990, p.180) “tiveram pouco (e às vezes desagradável) contato com esta disciplina.” Por isso que é de fundamental importância a parceria entre estes profissionais na filosofia para criança.

Lipman afirma que uma das preocupações dos professores é em saber como distinguir uma discussão filosófica de uma não filosófica, pois os monitores nunca se preocuparam em fazer tal distinção. É importante fazer abordagens normativas e descritivas ao ensino do raciocínio, que aos poucos irão sanar as preocupações dos professores, que não se tornaram filósofos, mas sim competentes em conduzir questões filosóficas para crianças.

Quantos aos livros-textos, estes conduzem ao exercício do raciocínio e às descobertas de pontos de vista filosóficos alternativos que foram apresentados no decorrer dos séculos. Contudo o papel do professor é primordial na condução das discussões filosóficas, por serem os responsáveis pela manipulação do ambiente com o intuito de favorecer a consciência filosófica das crianças. Por fazerem surgir os temas de discussão, é o professor quem deve saber o momento certo de introduzir um tema adequado a partir de um questionamento e que conduz os alunos ao seu entendimento. Sobre a participação do professor, Lipman (2001, p.120) infere que:

 

A investigação filosófica entre as crianças, mais do que qualquer coisa, depende de um professor que compreenda as crianças, seja sensível aos temas filosóficos e capaz de manifestar, no seu comportamento diário, um profundo compromisso com a investigação filosófica [...]. O ingrediente mais importante do programa de Filosofia para Crianças é um corpo de professores capaz de modelar uma interminável busca de sentido para obter respostas mais compreensivas a respeito de assuntos mais importantes da vida.

 
 
O texto supracitado ratifica a ideia de que os professores, para trabalharem com filosofia na infância, precisam de um treinamento que o habilite para tal compromisso, tendo em vista a necessidade que há de seu entrosamento com os temas filosóficos e com a prática da investigação filosófica.

Não é bastante ter uma formação filosófica e não saber lidar pedagogicamente com as crianças. Por outro lado, não basta ter uma formação na área pedagógica e não conhecer as ferramentas necessárias para conduzir discussões filosóficas. Contudo, para os professores conseguirem tornar a sala de aula um ambiente gerador de discussões e reflexões, não basta somente ter uma formação em Pedagogia ou Magistério, é preciso um treinamento específico para trabalhar a Filosofia para Crianças. “... às vezes os professores têm cursos de filosofia da educação. Raramente têm cursos de lógica ou de filosofia. Mas tais cursos são inúteis no que se refere a preparar o professor para incentivar as crianças a pensarem filosoficamente (LIPMAN, 2001, p. 74).

Conquanto, o professor de filosofia para crianças tem que ser habilidoso, não somente em conduzir discussões, ele precisa ser um modelo com o qual as crianças possam se identificar. Tem que ser um profissional que desafie seus alunos, que as faça se sentir a vontade em refletir e se expressar, em elaborar pensamentos, e não aceitarem qualquer resposta ou memorizar fatos e falas. Tem que ser bom ouvinte, e saber interpretar e entender o que as crianças querem dizer, inclusive as linguagens não verbais que elas possam expressar. E para isso é necessário um ambiente adequado onde perpassa uma relação de confiança entre o professor e os alunos.  Segundo Lipman (2001, p. 143) “Os componentes mínimos de um ambiente adequado para incentivar uma criança a pensar filosoficamente são um professor questionador e um grupo de estudantes preparados para discutir aquelas coisas que realmente interessam a elas”, para isso o professor deve manifestar sua autoridade como um arbítro e não com a imposição de suas ideias ou levando o pensamento das crianças para fatos e conceitos que ele acredita. Daí a importância em se ter uma preparação para se trabalhar a filosofia para crianças. 

 
Considerações Finais

 
Diante do que foi estudado e, sucintamente, apresentado neste trabalho, pudemos inferir que incentivar as crianças a pensarem filosoficamente não é uma tarefa fácil. Contudo foi possível identificar nas nuances desse caminho de uma filosofia para crianças, dois aspectos fundamentais: um currículo específico e uma adequada formação do docente. Mediante os estudos realizados compreendemos que mesmo sendo a definição curricular relevante, é formação dos professores, um dos caminhos, ou o caminho primordial, a ser seguido para que o trabalho com filosofia na infância seja uma possibilidade real nas escolas e essa possibilidade ao ser concretizada, transcorra com sucesso.

É preciso que este adquira a partir de sua formação, habilidades de conduzir discussões filosóficas, de estimular o pensamento e facilitar a capacidade de expressão das crianças, de verdadeiramente ter uma formação que o capacite e o predisponha a, em uma atitude de respeito, aprender com as crianças.

Os exercícios mentais, proporcionados no ambiente da atividade filosófica com crianças, são importantes para que as mesmas não percam, no decurso de sua formação humana, a capacidade investigativa que lhes é inerente. Acreditamos que é de fundamental importância o trabalho com filosofia para crianças, visto que as discussões filosóficas favorecem a estimulação do pensamento, e, por consequência a construção do conhecimento arraigado no pensar crítico e reflexivo que contribuirá na formação de crianças e adultos capazes de fazerem julgamentos críticos e criteriosos e assim tomarem posições coerentes em concordância ou em discordância, quais compreendem o sentido e as consequências para si mesmas, para o contexto em que se inserem e principalmente para o outro, seu semelhante.

 
Referências

 IGLÉSIAS, Maura. O que é filosofia e para que serve. In: Rezende, Antônio (org.). Curso de filosofia: para professores e alunos dos cursos de segundo grau e de graduação. 13. ed. Rio de janeiro. Jorge Zahar, 2005.

 KOHAN, Walter Omar; LEAL, Bernardina; RIBEIRO, Álvaro. (Orgs.) Filosofia na escola pública. 2. ed. Petrópolis, RJ. Vozes, 2000.
  
KOHAN, Walter Omar; WUENSCH, Ana Míriam. (Orgs.). Filosofia para crianças: a tentativa pioneira de Matthew Lipman.  3. ed. Petrópolis, RJ. Vozes,1998.   
 
 LIPMAN, Matthew. A filosofia vai à escola. Tradução de Maria Elice de Brezezinski Prestese Lúcia Maria Silva Kremer. 3. ed. São Paulo. Summus, 1990.

 ______. A filosofia na sala de aula. Tradução de Ana Luiza Fernandes Marcondes. São Paulo. Nova Alexandria, 2001.

Grupo de Pesquisa “Filosofia e Educação”, do Curso de Licenciatura em Filosofia do Campus Caicó – UERN. Projeto de Pesquisa Filosofia na infância: perspectivas para o debate. E-mail: mariareilta@hotmail.com



[1]Membro do Projeto de Pesquisa “Filosofia e infância: perspectivas para o debate”/DFI/UERN. carmemmscamara@hotmail.com
[2]Membro do Projeto de Pesquisa “Filosofia e infância: perspectivas para o debate”/DFI/UERN. lyzandracristina@hotmail.com
[3]Professor do Curso de Licenciatura em Filosofia-DFI/UERN e membro do Projeto de Pesquisa  “Filosofia e infância: perspectivas para o debate”/DFI/UERN. dedasouza1@gmail.com
[4]Professora do Curso de Licenciatura em Filosofia-DFI/UERN e coordenadora do Projeto de Pesquisa “Filosofia e infância: perspectivas para o debate”/DFI/UERN. mariareilta@hotmail.com

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